Caro Amigo
Estou escrevendo esta carta com a finalidade de compartilhar algumas coisas que acontecem na Colômbia e que acho, podem ser de interesse seu e das pessoas que conheco lá no Rio de Janeiro. Não acredito muito nos nacionalismos e tento pensar que muitos dos problemas que temos atualmente apresentam-se na maioria dos países e especialmente na América do Sul.
Estou na Colômbia desde começos de agosto, pois consegui apresentar minha qualificação de tese e com a finalidade de visitar minha família e fazer a pesquisa de campo permanecerei até o começo de novembro. Nestas semanas aconteceu uma importante manifestação por parte dos camponeses contra o governo nacional, chamada de Paro Nacional Agrário. Desde 18 de agosto e em diferentes partes da Colômbia, os camponeses protestaram exigindo do governo do presidente Santos um maior compromisso na defesa da agricultura, particularmente no outorgamento de subsídios para a compra de fertilizantes, pois a estrutura de custos está tornando inviável continuar trabalhando nas zonas rurais. Na maioria dos casos, os protestos foram pacíficos. Num primeiro momento o presidente subvalorizou os eventos e teve depois que reconhecer e negociar alguns pontos com os representantes. Em outras zonas do país pelo contrario a negociação foi mais difícil. Houve apoio de diferentes setores da população também, especialmente por parte dos estudantes das universidades públicas e como aconteceu há pouco tempo no Brasil, aqui também aconteceram diferentes confrontos entre manifestantes e polícia. Na quinta-feira 29 de agosto por exemplo, a mídia empregou a palavra “vândalo” para tentar polarizar a opinião pública e desviar a verdadeira essência dos protestos. Como falam aqui, é que com “la papa no se juega” que é uma expressão pra dizer que o tema da alimentação é sensível e que ainda existe uma resistência diante de um projeto que tenta favorecer somente os interesses de determinados grupos empresariais do país.
O que está em jogo é a
segurança alimentar do país. Existe uma ligação entre os donos
dos latifúndios e as empresas transnacionais que pressionaram para
que o país terminasse assinando os TLC -Tratados de Libre Comercio-
que não são mais que acordos pelos quais nossas sociedades terminam
absorvendo os excedentes agrícolas de países como os Estados
Unidos. Um artigo escrito pelo professor Darío Fajardo1
mostra o impacto que tem tido as políticas agrarias nas últimas
décadas , algo que acho que deve motivar debates em toda nossa
região. Nos seguintes parágrafos tento resumir o que li no artigo
escrito por este professor, só pela finalidade de compartilhar o que
acontece aqui.
Em nível internacional os
preços dos alimentos estão cada vez mais ligados aos preços do
petróleo e de outro lado muita produção de alimentos começou a
ter como finalidade a produção de biocombustíveis. Boa parte da
responsabilidade desta situação deriva do modelo tecnológico
conhecido como “revolução verde” que ainda têm predomínio na
escala global. Lendo a Hinkelammert e Mora2,
coincido com eles quando falam que assistimos a uma economia da
morte. É uma mercantilização de todos os âmbitos da vida humana e
que no caso da produção alimentar tem seu correlato: a agricultura,
o acesso, apropriação e uso da terra, a decisão do que produzir,
quando e como, fica na mão das empresas multinacionais.
Como você já deve conhecer
devido aos esquemas de proteção impostos pelos Estados Unidos e
Europa assim como a exportação dos excedentes ao resto do mundo, a
segurança alimentar de nossa região está em risco, pois de uma
situação na qual produzíamos o que comíamos passamos a uma
situação onde importamos especialmente cereais e oleaginosas, o que
também tem mudado nossa dieta alimentar.
Continuando com o texto de
Fajardo, uma das principais áreas afetadas é a agricultura
camponesa a qual geralmente é excluída pelo fato de estar centrada
na produção de alimentos que não são “competitivos” e
portanto que não tem maior proteção pelo Estado. Tendo em conta
que o índice de preços tem subido nas últimas décadas, as
quantidades de recursos destinados à importação tem crescido
consideravelmente.
Acho que o mais interessante para você e os amigos no Brasil seja conhecer algo do caso colombiano. Durante a década dos anos noventa a Colômbia experimentou uma redução na quantidade de hectares cultivados. Tinha perto de 5 milhões e perdeu 16% nesse período. Segundo o professor Fajardo a crise agrícola tem diferentes etapas: no primeiro momento a queda na produção de alimentos próprios dessa economia camponesa, posteriormente o deslocamento pelo terror, a violência e no terceiro momento a imposição de cultivos “promissórios” por parte de empresas multinacionais de produtos associados com a indústria agroindustrial. Temos perdido no cultivo de hortaliças, tubérculos para passar a produzir palma africana e cana-de-açúcar além de consolidar cada vez mais um padrão de concentração da terra de velha data. Esta concentração da terra leva a uma subutilização da mesma, que se exemplifica com os dados apontados para o inicio do atual governo do presidente Santos: Enquanto 30% do solo com vocação agrícola era utilizado, o dobro das áreas destinada a pasto estava sendo usada para o gado. A política agrária desde os anos noventa tem sido a de um desabastecimento alimentar.
O discurso dos anos noventa,
era predominantemente neoliberal e portanto no campo da agricultura
predominou o critério de concorrência assim como de programas de
reformas agrárias que realmente estavam na via do mercado e não do
Estado. Com a liberalização comercial acontece um desmonte da
agricultura comercial, um enfraquecimento da cultura cafeteira e a
implantação de uma economia do narcotráfico. Ao invés de uma
reforma agrária aumentou a concentração da terra devido ao fluxo
do dinheiro produzido pelo tráfico de drogas que somou-se a aqueles
recursos gerados por grandes empresários e fazendeiros e que foram
usados para financiar os exércitos paramilitares.
Sob o argumento de apoiar uma
maior competitividade do campo e que está associada exclusivamente
com a grande empresa, tem se concentrado a terra em cinco grupos
nacionais e sete estrangeiros, sendo de destaque a participação dos
grupos Mônica e Amaggi do Brasil. A proposta para os pequenos
camponeses é o empreendedorismo ou o estabelecimento de alianças
produtivas, quando em realidade são eles os que suportam em boa
parte a oferta alimentar do país. Nos últimos anos tem sido
promovida uma politica de formalização da propriedade rural, mas o
que Fajardo denuncia é que ao não ter condições para voltar a
seus territórios e trabalhar, muitos dos camponeses terminam
transferindo suas propriedades “agora legalmente” para estas
grandes multinacionais.
Um dos principais produtos
fortalecidos pelas políticas agrárias é a chamada Palma africana,
colocando o país como o quinto produtor a nível mundial (350 mil
hectares dedicados a sua produção). Existem pequenos cultivadores,
mas eles tem pouco poder para negociar o preço que é definido pelas
grandes multinacionais. A possibilidade de destinar parte da produção
para os biocombustíveis tem no entanto sérios problemas ligados aos
investimentos que se precisa para uma maior produção (quase dez
vezes mais do que a atual). No caso da cana de açúcar existe
capacidade para ampliar a produção, mas expandir seu cultivo pode
por em risco a produção de alimentos básicos. Tanto em um como no
outro, os custos de produção são altos e pouco competitivos diante
de outros países, como acontece com Brasil e a produção de etanol,
por exemplo. Os dirigentes colombianos portanto, segundo o artigo que
li, tem a expectativa de voltar a produção para o mercado interno e
de obter subsídios por parte do governo nacional.
No caso do gado, existe uma
heterogeneidade nos sistemas produtivos o que condiciona a qualidades
de sua oferta e melhoras de tipo tecnológico: existe assim cinco
tipos de produção bovina: de tipo empresarial, outra de comunidade
indígena, uma terceira que é camponesa, a quarta de colonos e por
fim de investimentos derivados do tráfico de drogas. Destas formas,
a última tem tido como impacto específico o reforço do
proprietário sobre boa parte do país. Em síntese, a respeito da
economia bovina se diz que ela é extensiva levando a que muitos
terrenos fiquem sendo subutilizados devido a sua consolidação.
Sobre o tráfico de drogas tem
que se dizer que ele tem sido muito importante a partir dos problemas
estruturais que traz o campo colombiano. Existem zonas de cultivo de
coca históricas assim como um deslocamento para algumas outras
regiões do país, mas o que interessa é ver que esta aprofunda
ainda mais problemas como o monopólio da terra e de esta como fonte
de poder e de autoritarismo na política. Assim, por um lado a
produção de alimentos está ameaçada tanto pelos fatores externos
das políticas agrárias internacionais assim como pelo tráfico de
drogas o qual desemboca nos TLC que se caracterizam pela importação
de alimentos que são subsidiados e portanto com vantagem diante da
produção nacional.
Contudo os problemas
estruturais mencionados da Colômbia nos anos 80 produzia 90% dos
alimentos requeridos. Pouco antes de assinar o TLC com Estados Unidos
o país já estava importando perto da metade dos alimentos. O feijão
e o arroz, por exemplo, agora importados tem experimentado um aumento
no preço internacional de 135% nos últimos anos. Assim, além dos
projetos de tipo mineiro energético que estão sendo desenvolvidos
aqui também, o ataque à agricultura camponesa complementa o quadro
social que longe de ajudar para a superação da guerra que temos,
aprofunda ainda mais a crise.
O paro nacional agrário deveria ser compreendido neste contexto mas você sabe qual é o papel da mídia em nossas sociedades e como fica reduzido o conflito a uma serie de negociações e promessas dos governos que nunca são realizadas. Na Colômbia tem lugar uma “contra-reforma” diante dos poucos e tímidos esforços de reforma agrária. Dita contra-reforma promovida pelos empresários privados, o paramilitarismo e o mesmo Estado impõem então um cenário onde temos perdido muito em soberania alimentar.
O avanço da grande propriedade
tem realocado a agricultura afetando a estabilidade das comunidades
camponesas, a produção de alimentos e a gestão de recursos tão
importantes como a água, o solo e as florestas. A economia camponesa
está baseada no conceito de Unidade Agrícola Familiar (UAF) que
tenta ser eliminada do debate político. A situação fica ainda pior
devido a um projeto de economia mineiro exportadora que vai levar
inevitavelmente a uma correlação de forças e uma luta que tem como
eixo uma luta por novos ordenamentos do território.
Espero que tenha gostado desta
carta que se você quiser pode compartilhar com a maioria das pessoas
que estejam interessadas nestes temas. Eu simplesmente estou
traduzindo parte do texto escrito pelo professor por considerar que
ele oferece uma visão resumida mas útil sobre um tema tão
importante para nossa região e acho para o mundo. Desejo ter a
possibilidade de poder voltar a visitar você e de
participar das atividades que vocês fazem no Rio de Janeiro.
Um abraço
Hernando Sáenz
_______________________________
1Fajardo
Darío. Efectos del modelo agrario sobre las condiciones alimentares
de Colombia. Ponencia presentada en el 14 congreso colombiano de
trabajo social. Universidad Externado de Colombia, realizado los
días 14, 15 y 16 de agosto de 2013. Bogotá, Colombia.
2Hinkelammert,
F. (2009) Economía, Sociedad y Vida Humana: preludio a una segunda
critica de la economía política. 1ra Edición. Buenos Aires,
Editorial Altamira.
Fotos: As duas primeiras Hernando Sáenz a terceira tomada de www.seloexplicoconplastilina.org
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